Paramore concede entrevista ao The Guardian
Por em 29 de setembro de 2022

Paramore concedeu uma extensa entrevista ao The Guardian abordando os assuntos e inspirações em seu próximo álbum, “This Is Why”, o processo de amadurecimento no qual o trio passou nos últimos quatro anos longe dos holofotes, sobre a relação deles como grupo e causas sociais. Confira a entrevista na íntegra:

Uma das bandas mais influentes de sua geração, os pioneiros do pop-punk quase foram destruídos por brigas internas e pelo sexismo da indústria. Agora, depois de quatro anos de auto-reflexão, eles estão de volta  – e prontos para responder ao momento “louco” que vive os EUA.

Os três membros do Paramore estão vivenciando suas idades. Recentemente, filmaram o vídeo do seu single de retorno, This Is Why, música inusitada e impetuosa que causou danos nas articulações da banda.

“Nem é um vídeo que tem uma performance pesada e eu estou dolorida,” disse a cantora Hayley Williams, de 33 anos.

Quando apareceram no Zoom, de uma casa alugada em Los Angeles numa manhã de setembro, a banda estava prestes a voltar para seu primeiro dia de trabalho em quatro anos. Logo depois da nossa conversa, eles começaram a ensaiar para sua turnê em outubro.

Eles tem “vinteepoucos dias” até lá, estima Williams, com seu cabelo cor de pêssego, coberto por um boné “Tudo em um sonho”. “Estou apavorada!” Os membros: baterista Zac Farro, 32 anos e seu bigode que contrasta com sua timidez, tem tocado as músicas mais pesadas da banda. Williams acena com a cabeça do canto da sala: “A gente estragou a mini cama-elástica.”

Exercícios aeróbicos foram uma coisa, mas a melhor preparação que o Paramore fez para o seu sexto álbum, também chamado This Is Why, foi abandonar de vez o grupo. A vida de banda era tudo que conheciam desde que se juntaram na adolescência há 20 anos atrás no Tennessee

Eles logo se tornaram emos vencedores do Grammy e uma das bandas mais influentes de sua geração: seu pop-punk eufórico e raivoso está prosperando entre artistas com, Willow Smith e Meet Me at the Altar, e uma geração de músicos alternativos que vai de Soccer Mommy para Grimes e Lil Uzi Vert que idolatram Hayley, um trovão dentro de uma cena extremamente misógina.

Porém, em 2018, o Paramore parou de tocar para aprender como se tornar uma família depois de uma existência sabidamente volátil. This Is Why é o seu primeiro álbum com a mesma formação do álbum anterior. O Paramore jpa teve 8 membros e inúmeras saídas dramáticas, como a dos Farro em 2010.

Os desistentes geralmente detonavam Hayley após sua saída: o nome dela era o único no contrato com a gravadora, assinado quando ela era adolescente, mas ela sempre lutou com a Atlantic para que o Paramore fosse uma banda e não um projeto solo glorificado.

A mídia acentuou o drama e a potencial autodestruição da banda. Enquanto isso, Hayley e o introvertido guitarrista de cabelos cacheados, Taylor York, 32 anos, que entrou na banda em 2007, olharam para frente sem medo, afirmando que a banda nunca esteve mais forte.

Zac Farro voltou para o After Laughter, de 2017, que deixou de lado suas guitarras uivantes para o punk-funk efervescente e para as letras inusitadamente reveladoras de Hayley sobre sua depressão após o divorcio do guitarrista chad gilbert do new found glory.

Foi a primeira vez que o Paramore não fingiu que estava “feliz para sempre” em público. “Foi um alívio enorme,” Hayley enfatiza. “Mais do que nunca, fomos o suporte um dos outros, algo que precisávamos desesperadamente.”

Hoje, a gentileza mútua entre eles é clara  – sentados em frente à lareira como um retrato de família, eles se portam com uma espécie de reverência afetuosa. Hayley e Taylor confirmam rumores de que estariam namorando, mas se recusam a falar mais sobre.

A sinceridade da era After Laughter se provou libertadora. Quando um dos amigos da família de Taylor faleceu durante a filmagem do clipe de um dos singles, “Eu comecei a chorar aos berros”, ele recorda.

“Não sabia que tinha essa capacidade, até aquele momento. Percebemos que nada vale a nossa saúde.” Eles colocaram um limite rígido durante a fase de turnê do álbum. Depois daquilo, diz Hayley, eles sabiam que precisavam de uma pausa real. “Vamos descobrir como é não ser um membro do Paramore o tempo todo.”

Estar em uma banda desde tão cedo fez com que eles tivessem que crescer rapidamente, diz Taylor: “Daí você percebe que isso foi às custas de outras partes de si.” Durante seu tempo afastado, Hayley lançou dois álbuns solo (seus companheiros de banda participaram do primeiro), fez muita terapia e nas entrevistas, revelou o peso que o passado da banda tinha sobre ela.

Farro, que admite que rejuvenesceu após seus anos longe do Paramore, continuou fazendo música com seu projeto HalfNoise e explorou a fotografia e a direção cinematográfica. Taylor parou de beber. 

“Queria explorar partes mais profundas de mim mesmo e descobrir porque fazemos o que fazemos, como tudo aconteceu,” diz ele. “Sou uma pessoa muito introvertida e tenho uma paixão e uma carreira que se opõem a isso. Quando foi a hora de voltar a trabalhar com o Paramore, consegui ter a confiança de dizer, vamos lá! Zac e Hayley precisavam saber que eu realmente queria continuar.l

De volta à Nashville, sua cidade natal, o trio teve espaço para falar abertamente uns com os outros.  “Sobre viver no sul durante uma pandemia global, durante um período de injustiça racial e um movimento social que ficou maior do que nunca nos EUA,” Williams diz. “Foi muito importante a gente estar em casa enquanto tanta merda acontecia.” Eles começaram a fazer parte da comunidade local  – se posicionando, protestando e trabalhando com organizações locais.

Muito do novo disco vem dessas conversas sobre o passado do grupo e o ambiente no qual cresceram. Eles falaram sobre como era viver numa região religiosa. Williams se mudou do Mississippi para o Tennessee quando sua mãe fugiu de seu segundo marido.

Ele conheceu (Zac) Farro através de um programa de homeschool (estudar em casa) e ele conhecia Taylor. No início, o Paramore falava abertamente sobre ser uma banda cristã, mas agora eles estão em outro momento do seu relacionamento com a fé, diz Hayley. “Você cresce sendo ensinado que só existe aquilo, daí você descobre que estava tudo atrelado a alguma merda aleatória.”

Ela suspira: “Zac e Taylor são bastante gentis sobre isso, mesmo quando sinto que meus dentes são facas e estou cuspindo fogo, tentando jogar tudo para o alto. É bom ser desafiada –  Taylor me lembra disso o tempo todo. Não se pode generalizar. Eu posso ser bem 8 ou 80 quando o assunto é boas pessoas e más pessoas, e o cd fala sobre como as pessoas não são só isso.

Eles também tem falado sobre isso com suas famílias. Em outubro de 2020, Hayley chamou a atenção de Josh Farro depois dele ter feito um comentário homofobico na internet. “Há um motivo para só terem três pessoas no @paramore. Surpresa, haters, não é culpa minha,” ela tweetou, condenando a fala dele. 

Zac diz que sua relação com o irmão mais velho tem sido complicada. “Quando você é criança, acha que vai fazer tudo junto com seu irmão, e foi assim até certo ponto. Depois não foi mais. Isso restringiu nossa relação, mas acho que foi para o melhor. Demonstrar amor é uma escolha. Meu coração é dele também; Não quero diminuir ninguém, mas a visão de mundo de algumas pessoas não são aceitáveis na internet. Aprendemos isso do jeito mais difícil, às vezes.

Taylor complementa. “Isso é mais uma coisa que não sei como classificar, mas as pessoas realmente acham que estão certas. Elas sentem convicção; elas não acham que estão fazendo algo errado.”

Hayley, rindo de sua própria frustração, volta a falar de sua tendência de generalizar: “Não quero me dar ao trabalho de pensar sobre as nuances de cada pessoa. Por exemplo, o Donald Trump, eu não quero saber do pai dele, do pai do pai dele e toda essa merda de questão geracionalnão! Não quero agraciar pessoas assim. Mas penso que faz parte da nossa existência usar esse desconforto para apontar a seta na direção certa.”

Recentemente, a banda fez um post no instagram informando que doaram parte do dinheiro da venda de ingressos para caridades que defendem o acesso ao abortod, logo após o resultado de Roe v Wade.  A reação foi esmagadoramente negativa, embora Hayley não tenha ficado surpresa. 

“Parte de mim sente que isso é bom, porque se a gente sempre fala a mesma coisa para as mesmas pessoas vira uma câmara de eco. Se a gente conseguir mudar o pensamento de alguém na direção da igualdade e em apoio ao sistema de saúde gratuito – porque é o aborto é sobre isso – então estamos fazendo algo.

O Paramore admite que passou por essa jornada também. “Meus pais nunca foram tipo: ‘Ei, aborto é ruim!’” disse Williams. “Isso ficava mais no ar durante minha infância”

“Zac e eu ainda estamos aprendendo muito sobre isso,” diz Taylor. “Crescendo onde crescemos e sendo homens, a gente não tinha essa educação. Quando você é criança, você não questiona. Você ouve: ‘Ei, acha que matar bebês é certo?’ E daí parece algo simples. A gente não compreendia as nuances. Mas chega certa idade, especialmente quando o ex-presidente estava no poder, e todos começaram a questionar mais.

“Por isso que nosso lar e nossa banda são tão bons,” diz Zac. “porque temos a liberdade de processar as coisas juntos.” Ter essas conversas complicadas obrigatorias”, diz Hayley, fez com que a gente crescesse juntos. Não foi isso que eles viram quando olharam além de seu enclave artístico para o resto de Nashville. “Passamos por essa merda maluca (a pandemia) e as pessoas ainda não chegaram lá,” ela lamenta.

Durante o COVID, ela diz, “ turismo estava em alta. Diversas ruas chamadas Robert E Lee, tributos à Guerra Civil Civil e aos soldados confederados.”

 “Não se via uma máscara.” diz Farro.

“Recebi um telefone de um amigo que estava tentando fazer compras no mercado e um cara estava em cima dele,” diz Hayley. “Ela disse: por favor, mantenha 2 metros de distância e ele xingou ela.”

A hostilidade e a paranoia que caracterizam os EUA após a saída de Trump são tema de This Is Why. “Olho a internet e as notícias e parece que estamos em O Senhor das Moscas (livro),” diz ela. “Quando estava escrevendo a letra, pensei ‘nossa, esse experimento social chamado internet está dando errado desde o primeiro dia.’”

“Isso expõe e explora o evidente desrespeito da população em geral pelas diferentes nuances.” Seu segundo single, ainda não anunciado, aborda a importância de combater o cansaço da compaixão (só pude ouvir duas novas canções do álbum). “Há dias em que eu me sinto tão cansada disso tudo, quase chegando ao ponto de apatia,” diz Williams, “mas essa é a dificuldade – que você tem que lutar.”

A confiança gerada pelas conversas de quintal da banda foi o que os levou de volta ao estúdio. Ainda assim, eles estavam preocupados em preservar suas boas relações. “Após 15 a 20 anos brigando como um bando de crianças na frente do mundo, você eventualmente aprende algumas habilidades para lidar com a situação e alguns métodos de comunicação”, diz Williams.

“Tendo dito isto”, York acrescenta, “não estou no campo que pensa que você tem que sofrer para fazer boa arte, mas não entendo como você pode fazer algo que é verdadeiramente autêntico em um ambiente colaborativo sem tensão. Nós estamos ficando cada vez melhores em lidar com isso.” Após o After Laughter ter entrado mais diretamente no pop, a ideia original era trabalhar apenas com guitarra, baixo e bateria. Em seguida, os sintetizadores se introduziram e começaram a lembrar a cena indie do início dos anos 2000: dance-punk, electroclash. “Parecia tão urgente”, diz Williams. “Importante, um pouco arrogante. Bloc Party, Yeah Yeah Yeah Yeahs, the Rapture, Glassjaw – esses são personagens, pessoas que eram superestrelas do indie”. Novas bandas britânicas como Wet Leg e Sorry também entraram no filtro. No estúdio, sempre que eles questionavam se estavam indo longe demais, Farro os empurrava: “Dê a eles o melhor”.

Eles estavam conscientes de estarem reemergindo em uma cena musical rica em sua influência. “Eu preferia trabalhar mais duro do que nunca para tentar nos encontrar apesar do barulho”, diz Williams.

Descobrir quem eles são longe do Paramore também fez com que se sentissem menos presos ao passado da banda. Williams traz à tona seu hit de 2007, Misery Business, que escreveu aos 17 anos. A canção contém letras vingativas sobre um rival romântico, ao que Williams disse que reflete a misoginia que ela internalizou de sua cena. Em 2018, Paramore disse que eles deixariam de tocá-la ao vivo. Isso não impediu seu renascimento no TikTok e, como tal, uma influência proeminente em Good 4 U de Olivia Rodrigo, na qual Paramore foi creditado tardiamente como compositores da canção.

“Só agora que nos sentimos mais leves em relação à banda, é como se eu não me sentisse definida por essa canção”, diz Williams. Ela prefere pensar em quando eles costumavam tocá-la e convidar um fã para cantar com eles “e viver o melhor momento da sua vida por três minutos. É isso que eu sinto que define nossa banda, não esses dramas e: ‘Hayley é a feminista perfeita?’ Isso foi muito pesado por um longo tempo.”

No início deste ano, Williams se juntou a Billie Eilish para fazer um dueto de Misery Business quando a estrela do pop de 20 anos de idade foi headliner no Coachella. Ela havia tentado dissuadir Eilish de cantá-la, e então percebeu que “não deveria ser sobre mim. As pessoas crescem e aprendem. Eu já tinha me chamado a atenção e trabalhado muito em cima da misoginia que eu tinha metabolizado quando jovem”.

A primeira música que escreveram para o novo disco é sobre “explorar como você não pode controlar a percepção que alguém tem de você”, diz Williams. “Como é aceitar que há momentos em sua vida em que você foi a pessoa errada da história ou disse algo que você nem mesmo acreditava – Misery Business – e que acaba por definir você para algumas pessoas. O que você pode fazer além de continuar a crescer e desafiar a si mesmo? A leveza que vem com isso tem sido muito legal”.

Chegou a hora de partirem para os ensaios. Um dia depois, Paramore se reúne em seu espaço de ensaio, todos vestidos de preto e acompanhados pelo Alf. Às vezes, o primeiro dia de volta pode ser desmoralizador, diz York, mas ontem foi como “ligar os interruptores no cockpit”. A ansiedade que vinha apertando a garganta de Williams durante toda a semana afrouxou. “Assim que nos aquecemos, eu fiquei tipo: ‘Oh sim – isto é o que eu faço'”, diz ela. “Nós colocamos nossas mais de 10.000 horas”.

O status de Paramore como relativamente veteranos é um choque até mesmo para eles. “Nós nos conhecemos na idade mais louca e não deveríamos ter conseguido passar por todas as coisas que passamos juntos”, diz Williams. This Is Why é o último álbum que eles têm contratado para entregar no acordo que Williams assinou quando adolescente. Março marcou 20 anos desde que eles se conheceram, e eles têm se lembrado o ano todo, diz ela. “Precisamos nos organizar e fazer já um documentário logo”.

O trio se mostra encantadoramente chocado que alguém ainda se importa. Eles são tão reverenciados que poderia parecer um golpe de sorte se não tivesse sido tão claramente conquistado. A emoção de estarem de volta não se deve apenas à sua enorme influência contemporânea (acrescente PinkPantheress, Demi Lovato e Yungblud aos seus sucessores). Há uma sensação de reivindicação geracional: que uma banda que lutou contra uma mídia pouco generosa e uma cena sexista, e cuja frontwoman foi menosprezada por ex-companheiros de banda, venceram por seus próprios termos. Seus valores inclusivos, questionadores e carinhosos estabeleceram novas normas da indústria, e a única recompensa que eles estão interessados em desfrutar é a liberdade criativa: Farro tem chamado isso de sua “época de não resistir”.

É uma recuperação semelhante àquelas vividas por Fiona Apple ou Britney Spears, artistas que foram menosprezadas pela mídia quando eram jovens, depois abraçadas exatamente pelos fãs mais jovens e esclarecidos, eu sugiro, enquanto Alf volta ao colo de sua dona. “Eu nunca nos coloco no mesmo campo de jogo”, diz Williams acanhadamente. “Mas isso tem sua repercussão. E é maravilhoso poder ficar por aqui por tempo suficiente para ter essa chance”. Ela abana a cabeça alegremente. “As pessoas vão ficar tão fartas de nós dizendo isto neste ciclo de álbum, mas não podemos acreditar que estamos aqui”.

This Is Why será lançado em 10 de fevereiro.

Fonte. Tradução e adaptação: equipe Paramore BR.

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